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Um conto premiado

O 2⁰ Concurso Literário e Fotográfico Litoral com Arte - 2022, promovido pela Secretaria Municipal de Esportes, Cultura, Lazer e Juventude do Município de Pontal do Paraná - PR, teve seu resultado divulgado no dia 05 de outubro de 2022. Dividido em quatro categorias - Poesia, Conto, Crônica e Fotografia - qualquer cidadão acima dos 16 anos residente em uma das sete cidades do litoral do Paraná poderia competir.


No ano de 2021 participei da 1ᵃ edição, fiquei em 2⁰ lugar na categoria Fotografia e recebi uma menção honrosa por uma Poesia. Este ano resolvi concorrer com um Conto, algo que nunca havia feito.


Minha inspiração não poderia ir tão longe quanto o próprio cotidiano de um professor, colocando elementos de filosofia aqui e ali, assim como bebendo da fonte do grande Gabo e seu realismo fantástico.


Em primeira mão, já que a obra teria que ser inédita, apresento meu conto "Acordou?":

Acordou?


Como já era de costume, mas não o ideal, acordou atrasado. O toque do despertador parecia a trilha sonora do seu sonho. “Sonho estranho que tive hoje”. Levantou depressa, o sangue não acompanhou e um vazio se fez. Nem tentou se segurar. Já era calculado que quando acontece-se novamente cairia na cama mesmo. “Como é diferente o mundo que percebemos e o próprio mundo”. Era a sensação do nada. Um prazer delicioso para às 5:56 da madrugada.


Assim que conseguiu ficar de pé, fez um esforço para lembrar qual seria o destino daquele dia. O medo de ir para o lugar errado novamente e passar o vexame que passou da última vez não era mais algo aceitável. Demorou um pouco pra voltar à realidade. “E o que é a realidade, afinal?”


Após ter lavado o rosto e quase ter posto sua alma à fuga com a temperatura da água, lembrou de uma promoção de torneira climatizada que viu na televisão. “Qual a probabilidade de eu ganhar na mega...” A vida não andava nada fácil e era por isso que tinha que acordar aquele horário todo dia. Teve mais um vislumbre do sonho daquela noite. “Qual o gosto do triângulo?”


Depois de ter arrumado tudo e pegar o celular na cabeceira, percebeu que havia esquecido de pô-lo pra carregar. “Droga”. Aproveitou pra pegar o carregador e foi em direção à porta, pegando a chave do carro na passada. Não havia mais tempo a perder se ainda quisesse tomar seu café. Ouviu os biguás passando ao longe.


Chegando na padaria, nem fez cerimônia pra pegar o jornal do dia e sentar na sua cadeira cativa. O café e a chipa chegaram sem nem ter pedido. Não que ele não gostasse de tal mordomia, mas às vezes se sentia culpado por furar a fila sem ao menos dar um “bom dia”, privilégio assegurado por ser conhecido de todos ali há tanto tempo, a ponto de saberem que já estava atrasado novamente. “Afinal, o que é o tempo?”


Olhando para o jornal, não conseguiu ler nenhuma linha, tudo que vinha na cabeça era o tal sonho: Números e suas frações fazendo greve sobre uma equação quadrática cruzavam a cidade na avenida principal. Placas antirradicais eram erguidas pelas dezenas. Gritos dos números irracionais ecoavam por todo canto pedindo o fim da racionalidade matemática. Dedos em formato ortogonal eram exibidos sem vergonha, seguidos pelo N fatorial.


“Professor! Professor! Professor!” Gritava a atendente da padaria para ele, ao mesmo tempo que cutucava seu ombro.


Voltando do mundo das ideias que estava: “Oi!”.


- O sr. não vai dar aula hoje? Vai se atrasar.


- Nossa! Perdi a hora novamente.


Olhando o relógio e pegando suas coisas sobre a mesa, foi direto para o caixa, tentando recordar mais uma vez para qual escola que iria aquele dia. Sua memória já fora melhor.


- Quanto deu?


- Raiz quadrada de 51.


- Quê?


Nesse exato momento os donos da padaria entraram, cumprimentando o velho amigo professor. Olhando para eles, pensou que estava enlouquecendo. Sabia que eram os dois sócios proprietários do estabelecimento, mas o que via era os símbolos de Existe e Não-Existe. Nesse momento a caixa pergunta:


- Professor! Vai pagar em Reais, Irracionais ou Racionais?


- Ãn?


Os donos do local chegaram próximo e, com um sorriso calculado, perguntaram num uníssono perfeito e enlouquecedor:


- Hoje temos uma promoção fantástica: pague o valor de Pi e leve um sonho no sabor triângulo.


Todos na padaria olharam para ele e começaram a rir. E o riso tinha som de despertador.



Como já era de costume, mas não o ideal, o símbolo de vazio acordou atrasado. O toque do despertador parecia a trilha sonora do seu sonho. “Sonho estranho que tive hoje”. Levantou depressa, o sangue não acompanhou e um humano se fez. Nem tentou se segurar. Já era incalculável a quantidade de vezes que isso ocorrera. “Como é diferente o mundo que percebemos e o próprio mundo”. Era a sensação da totalidade. Um prazer delicioso para o número imaginário da madrugada.

E aí? O que achou do conto "Acordou?"

Você está acordado?








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